Amadou & Mariam – Je pense à toi
Ian Wapichana – Ancestrais (Videoclipe Oficial)
O que você sentiu e pensou ao ver o clipe “Je pense à toi” de Amadou & Mariam? Nascidos em Bamako, no Mali, atuam em conjunto no campo musical desde 1980, também envolvendo-se em diversas ações sociais. Amadou já foi eleito como secretário-geral da AMPSA (Associação do Mali para Promoção Social dos Cegos), tornaram-se embaixadores contra a fome no programa Africa Mon Afrique e também participaram do projeto Enough Project – Raise Hope for Congo, na arrecadação de fundos para a proteção e o empoderamento das mulheres congolesas.
Cantada em francês, o ritmo e as imagens são capazes de nos transmitir muito além do que está posto diretamente na letra. Existem mensagens e simbologias no violão levado pelos trilhos do trem, no ritmo afro-blues com a suave guitarra elétrica, nas ações das crianças ao ver o sol nascer, nos dedos que acariciam um cafuné e nos olhares para a câmera. As pessoas no videoclipe são muito mais que apenas representações físicas do eu, são corpos-memórias, corpos-mundo que carregam em si florestas de experiências e histórias e nos permitem olhares outros sobre a canção e o viver.
O cenário eternizado nesse clipe é um lugar de construção e compartilhamento de saberes e experiências que, assim como as canções de Ian Wapichana, evocam ancestralidades e memórias que são entrelaçadas com o coletivo e o mundo invisível. Ian é cantor, poeta, músico e compositor do povo Wapichana, nascido em Roraima, em uma família de artistas e, atualmente, reside em Brasília no território de resistência de diversos povos indígenas (Fulni-ô, Guajajara, Wapixana, Tapuya, etc.) conhecido como Santuário dos Pajés. É com, e a partir do corpo, que nos reconhecemos enquanto pessoas no mundo e na história e compreendemos nosso lugar na vida. Um espaço fronteiriço onde se enlaçam coletividades e sociabilidades, reencontros e desencontros, onde as memórias se articulam com a experiência. Isso é particularmente real para sociedades com tradições orais, onde a pessoa é um arquivo vivo de conhecimentos, e a ancestralidade, o corpo e a memória são indissociáveis.
Em “Ancestrais”, os elementos físicos e simbólicos acionados por Ian Wapichana são questionamentos sobre tudo que desconhecemos, ao mesmo tempo canta aos seus sobre terra e amor: “Mãe Terra diz: Sejam felizes / Cuidem de mim / Não esqueça suas raízes / Amor aos teus irmãos / Ensine-os a me preservar / Respeite os ensinamentos dos teus ancestrais”. A letra demonstra novamente a interconexão entre a coletividade e a ancestralidade no seio da cultura.
Assim como apontado em nosso texto inicial da proposta “Experiências Sonoras”, onde refletimos sobre o dito tradicional, as canções são permeadas por práticas ancestrais presentes em variados momentos da vida cotidiana nos quais, muitas vezes, a relação músico/plateia é revirada, invertida, cujo esperado é a coexistência, sendo a plateia também musicistas e dançarinos em diferentes ocasiões. O canto e a dança são vistos de forma coletiva, repassados por gerações e portadores de significados profundos, abarcando vários ou todos os sentidos, dessa forma, abrindo um leque de perspectivas sobre o mundo¹.
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¹ É possível notar essa relação no filme As Hiper Mulheres que retrata o Jamurikumalu, o maior ritual feminino do Alto Xingu. Ao longo do filme, vemos retratado o ensinamento dos cantos às meninas pelos mais velhos e, posteriormente, a realização do ritual onde elas cantam em conjunto, marcando um momento de importante afirmação de identidade na aldeia.
PARA SABER MAIS
Podcast Originárias com Ian Wapichana
REFERÊNCIAS:
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COELHO, Luís. Música Indígena no Mercado: Sobre Demandas, Mensagens e Ruídos no (Des)Encontro Intermusical. Repositório Digital Institucional UFPR, v. 5, n.1, p 151-166, 2004. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/campos/article/view/1640. Acesso em 16 de junho de 2020.
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OLIVEIRA, Márcia Ramos. Oralidade e canção: Música popular brasileira na História. In: História e linguagens: texto, imagem, oralidade e representações. Rio de Janeiro: Editora 7 Letras, 2006. p.245-254.
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