Tinariwen / Atri N’Assouf
Atri N’Assouf – Chaghat (les enfants) (Album AKAL)
Tinariwen – Islegh Taghram Tifhamam
Brô MC’s / Oz Guarani
Bro Mc’s – Eju Orendive | CLIPE OFICIAL | LEGENDADO
Oz Guarani – O índio é forte
Mano Dayak¹ uma vez disse “o deserto, não se conta, mas, se vive”. Bandas como Tinariwen e Atri N’Assouf nos transportam a essa vivência e ao cerne de questões enfrentadas pelo povo Kel Tamacheque que, no final do século XIX, se viu invadido pela França e teve seu território – que formava uma única nação (tamast) – fracionado em cinco Estados-Nação (Burkina Faso, Níger, Mali, Líbia e Argélia). Segundo Mahfouz Ag Adnane² o movimento musical e político criado pela juventude Tamacheque descortina uma gama de relações histórico-culturais que tem suas raízes no exílio seguido de revoltas contra a opressão dos Estados pós-coloniais nas Áfricas, principalmente referente aos investimentos educacionais.
Ao cantar “Vocês pretendem ser intelectuais, mas não vimos nenhuma realização em suas terras / Há uma história que oculta, mas que o mundo conhece […] As lágrimas de nossos velhos queimam um coração vivo […] Tiram água nos poços profundos de água rala”, Tinariwen faz uma crítica contundente às elites africanas que, diante de seus contextos históricos específicos, da violência da colonização e suas consequências, negligenciam direitos básicos a sua comunidade de origem como o acesso à água, à saúde e à educação4.
Atri N’Assouf reforça a importância da educação para uma tomada de consciência “Não deixem que nossos jovens abandonem sua nação [tumast] / antes que conheçam sua língua e sua cultura / Não deixem que nossas crianças errem sem instrução e sem saber”. É no encontro da guitarra com instrumentos como anzad e tendê que essa juventude, atuante de 1960 até hoje, manifesta sua voz e seu desejo por educação e mudança. Como um povo nômade, encontraram na música e na dança um local de luta contra a opressão da imposição de fronteiras coloniais físicas, culturais e estéticas.
O estabelecimento de fronteiras alienantes sobre territórios já ocupados é algo que também perpassa pela experiência de diversos povos indígenas no Brasil, aqui pensamos especificamente nos povos Guarani5 e suas concepções sobre a terra, a vida e a educação. A colonização foi um processo doloroso, marcado por imposições violentas que se mantêm na colonialidade. A educação guarani, com suas concepções singulares e coletivas de ensino- aprendizagem, está ligada ao cotidiano da comunidade e as suas concepções de mundo. Diante disso, nas últimas décadas, intensificou-se a luta por uma educação escolar indígena que seja de fato diferenciada, intercultural, bilíngue e que leve em conta a cosmogonia Guarani e as necessidades específicas de cada aldeia.
Novamente, podemos observar o movimento de luta da juventude por meio da música com grupos como os Brô Mc’s e os Oz Guarani, que projetam suas vozes corporais6 por meio do RAP, um ritmo que atravessa fronteiras e comunica as mais diversas denúncias e resistências. “Chego e rimo o rap Guarani e Kaiowá / Você não consegue me olhar / E se me olha não consegue me ver/ Aqui é o rap guarani que está chegando para revolucionar”. Com essa frase os Brô Mc’s negam a hegemonia do olhar sobre os povos indígenas, afirmam a identidade Guarani-Kaiowá e reviram o local não-indígena, expondo o posicionamento carregado de pré-concepções normalmente dirigido a eles.
Finalizamos com este trecho de “O Índio é forte” dos Oz Guarani: “Como pode, sem terra pra morar, sem rio para pescar/ O Juruá [não indígena] desmata a mata e mata os M´bya […]/ Orembaé Xondaro kuery rovae orereko´ma roxauka [Nossos jovens guerreiros chegaram mostrando nosso modo de vida]”. Para povos M’bya-Guarani, a terra não pode ser capitalizada ou vendida, é vista como um espaço de partilha entre o coletivo: “Tudo era uma grande aldeia antes de ter fronteira”7 e é no caminhar por esta grande aldeia que se incorpora o conhecimento. As conexões entre as concepções de mundo dos povos nômades Guarani e Kel Tamacheque nos mostram um cintilar de perspectivas múltiplas sobre o viver e o percorrer que existiam antes da colonização e permanecem até hoje, ultrapassando o tempo moderno e incentivando o questionamento das “fronteiras” sobre o território construídas historicamente.
A quem serve um mundo feito em retalhos?
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1 “Mano Dayak – personagem tamacheque fundamental da luta na cena política do Níger que a diáspora tomou como símbolo ao mesmo tempo político e cultural da «targuidade». Ressalta a relação profunda com o território vasto e com o deserto que emerge como território comum a todos os Kel Tamacheque” (MAHFOUZ, 2015, p.8).
2 Mahfouz Ag Adnane (PUC-SP) graduou-se em História pela Universidade Al-Azhar, Egito. É mestre em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/SP. Realizou dois anos de especialização em História Africana Contemporânea na Universidade do Cairo, Egito – Instituto de Pesquisa e Estudos Africanos. Dedica-se aos estudos sobre a história do Saara, principalmente da sociedade Tamacheque (Tuaregue), tanto no período colonial como após as independências dos países africanos.
3 “Uma dimensão importante presente nesta canção é a problemática da escassez e precariedade dos poços de água. Até os anos 2000, seu acesso implicava, quase sempre, em percorrer muitos quilômetros para, após enfrentar em uma grande fila de pessoas, verem-se obrigadas a recorrer a burros ou camelos para conseguirem puxar água de poços que podiam ter 200 metros ou mais de profundidade” (MAHFOUZ, 2016, p. 219).
4 A respeito das elites africanas e a crítica ao neocolonialismo, ver “Por uma Revolução Africana” (FANON,1980) e “Discurso Sobre o Colonialismo” (CÉSAIRE, 1978).
5 Existem três diferentes grupos Guaranis: Ñandeva, M’bya (Oz Guarani); Kaiowá (Brô Mc’s).
6 “Em corpo a corpo cultural ‘vozes do corpo’ configuram ‘memórias sem arquivos’ ou ‘ arquivos vivos’, em ‘performance presencial’, conforme estudiosos de uma cultura da voz e do corpo. Enquanto fontes vivas plasmadas por sentidos e sensibilidades históricas, corpos performáticos vem renovando patrimônio em pelejas que evidenciam como submetidos à força, povos africanos e da diáspora, como ameríndios, transgrediram a hostilidade coloniais e raciais revitalizando seus horizontes em mediações com culturas e práticas de colonizadores” (ANTONACCI, 2013, p.259).
7 “Fronteira, Espaço e Paisagem”, por Patrícia Ferreira.
PARA SABER MAIS:
Educação Guarani:
Neocolonialismo e as elites africanas:
“Por uma Revolução Africana” (FANON, 1980) e “Discurso Sobre o Colonialismo” (CÉSAIRE, 1978)
REFERÊNCIAS:
ADNANE, Mahfouz. Arte e história: raízes coloniais do movimento cultural tamacheque Ichúmar (1893/4 à 1963). In: ENCONTRO REGIONAL NORDESTE DE HISTÓRIA ORAL, 10. Anais… Salvador, BA, 2015.
FERREIRA, Patrícia. Fronteira, espaço e paisagem. In: ZIMOVSKI, Adauany; JONER, Carla; MARTINS, Dione (Orgs.). Xadalu Movimento Urbano. Porto Alegre: Joner Produções, 2017.
NASCIMENTO, André Marques. O potencial contra-hegemônico do rap indígena na América Latina sob a perspectiva decolonial. Polifonia, Cuiabá, v. 21, n. 29, p. 91-127, jan-jul., 2014.
PRADELLA, Luiz Gustavo. Jeguatá: O caminhar entre os Guarani. Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 3, n. 2, p. 99-120, jul./dez. 2009.
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