Jota Mombaça por Sofia Guarda

Neste texto, sem pretensão nenhuma, escreverei um pouco sobre Jota Mombaça, pensando, principalmente, em minha relação com sua escrita. Um texto livre, que enquanto escrevo, tenho ao meu lado seu livro “Não vão nos matar agora”, do qual leio e releio variados trechos de forma incansável. 

Pensar em Jota Mombaça, para mim, é pensar na sua escrita antes de tudo. A conheci mais profundamente lendo suas palavras que, desde então, não saem da minha cabeça. Digo que ela é uma referência no que se diz em sentido de processos de escrita que, para mim enquanto uma pessoa em formação nas artes visuais, tem sido de grande importância no processo de me aproximar da palavra escrita. E digo isso não só no sentido da estrutura do seu texto, como também no conteúdo de suas palavras. É um daqueles livros que pedem inúmeras leituras e voltas para suas páginas.

Jota Mombaça

Trago, então, este livro (Não vão nos matar agora) como minha maior vontade para falar um pouco sobre Jota, e sua produção, na qual ela desafia a branquitude e a norma hetero cis masculina. Expõe as violências e as políticas de morte e invisibilidade a que os corpos racializados foram, e ainda são, submetidos ao longo da história colonial sob a ficção de paz e da democracia racial. Entre outras coisas, Jota fala no livro sobre uma redistribuição desobediente de gênero e anticolonial da violência (capítulo -3, pág. 63); ficção de poder e o poder da ficção (cena 3 dentro do cap. -3 pág. 65); o fim do mundo como o conhecemos (cena 7 dentro do capítulo -3 pág. 81), fazendo um diálogo com a obra de Denise Ferreira da Silva (Rio de Janeiro, 1963), importante filósofa e artista visual que desenvolve esse conceito em sua pesquisa; notas estratégicas quanto aos usos políticos do conceito de lugar de fala (capítulo -4, página 85); além de outros diálogos com outras artistas como Castiel Vitorino Brasileiro (1996, Espírito Santo).

pavement #1 (2021)
https://www.jotamombaca.com/work/pavement-1-2021

Um dos capítulos do livro, intitulado “O nascimento de urana”, para fazer um gancho com a sua produção nas artes visuais, é um conto autoral ficcional do ano 2017, e um trabalho em processo segundo a própria artista/autora. Essa escrita tem um desdobramento na sua produção em artes visuais com a videoinstalação “O nascimento de urana remix” (2020), produzido em colaboração com Darwin Marinho e Anti Ribeiro, e exposto na 22ª Bienal de Sydney. Nesta produção, Jota desafia a ideia binária de gênero, com um corpo que transiciona entre os limites da norma hetero cis. Nesse trabalho de quase 28 minutos de duração, Jota narra uma paisagem distópica, onde “o protagonista desta peça foge a uma força colonial, militante e autoritária, cavando profundamente na terra e, ao fazê-lo, estabelece um processo material de transição e de relacionamento integrado com a própria matéria terrena.”. (trecho retirado do próprio site da artista). “Bicha não binária, racializada como parda, nascida e criada no nordeste do Brasil”, Jota Mombaça, artista e escritora indisciplinada teve seus trabalhos expostos em diversos lugares, destacando a 32ª e 34ª bienais de São Paulo (2016 e 2020/2021), a 22ª Bienal de Sydney (2020), a 10ª Bienal de Berlim (2018) e o 46º salão nacional de artistas na Colômbia (2019). Jota pesquisa, em diversos meios, o contexto queer brasileiro, a construção de subjetividades marginalizadas nas periferias do capitalismo, justiça anticolonial, relações entre monstruosidade e humanidade. Fala sobre o corpo como um lugar de tensão, e a performance como lugar de rebelião.

http://34.bienal.org.br/artistas/7328

Site da artista: https://www.jotamombaca.com/

Referências Bibliográficas:

MOMBAÇA, Jota. Não vão nos matar agora. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.

Autora

Sofia Guarda (Bacharelado em Artes Visuais – UDESC/CEART)

Graduanda em Artes Visuais Bacharelado pela UDESC e integrante do AYA – Laboratório de Estudos Pós-coloniais e Decoloniais sendo bolsista do Programa de Extensão Movimentos Decoloniais: Práticas, Diálogos e o Sentipensar. Pesquisa a fotografia e seus desdobramentos, relação entre o digital e o impresso, imagem parada e em movimento, performance e processos de escrita, pensando em memória, corpo, gênero e sexualidade.

AYA LABORATÓRIO

Laboratório de Estudos Pós-coloniais e Decoloniais – AYA