O Rosa, Carnaval, Jogo de Cultura e Resgate Ancestral – Por Saul Smith

Começando mais um texto pro Mbari, dessa vez  embalado pelo ritmo do Carnaval. Esse carnaval eu passei grande parte me deslocando pelo centro de Florianópolis, mais especificamente pelo Largo da Antonieta. E foi sobre esse Largo que eu conversei um pouco com Gabriel Rosa. Vou pular a parte sobre a minha relação artística com Gabriel mas resumindo, posso dizer que ele é uma verdadeira potência da música preta popular nesse momento.

Eu já tinha comentado com o Gabs da possibilidade dele estar aqui no Mbari com os outros artistas e ele me perguntou quando poderíamos trocar essa ideia e como seria… eu respondi que um encontro casual seria mais adequado, então não deixamos nada marcado. Na terça feira de carnaval, em meio a todo aquele alvoroço, logo depois de assistir o Samba da Buia (Roda de samba composta por Gabriel e outros artistas pretos de peso da cidade) nos encontramos em meio a folia e aquele foi o momento. Nos olhamos e ele já sabia que ali se daria a nossa resenha,  puxei o celular e comecei a gravar nossa conversa.

Não pude deixar passar a oportunidade de trazer para ele a fala de apresentação do samba da Buia,  feita por um dos curadores do evento, mas especificamente desse palco localizado no Largo da Antonieta¹. Uma fala que exaltou os grupos fundadores do movimento de rua na cidade e a importância histórica deste local.

Meu mano, no começo do show da Buia teve uma apresentação feita por um dos curadores do evento, que reverenciou a importância histórica do local e dos grupos que começaram esse movimento festa de rua. Mesmo assim, a gente ainda vê que esse espaço é tomado por uma curadoria branca que parece privilegiar amigos, onde atrações se repetem, bandas são formadas de última hora o que acaba contradizendo muito com esse abraço a diversidade proposta por eles mesmos. Como você vê o seu trabalho em meio a essa confusão de narrativas culturais onde também existe o privilégio de compor esse elenco com o Samba da Buia que vem trazendo esse peso de resgate ancestral?

 É isso cara. A Buia na hora certa!
A gente vive num sistema muito filha da puta  e claro, a gente tem que racializar esse sistema, entender como funciona essa dinâmica. Bugio,  eu não tenho nada a dizer, é parceiro mesmo, mas assim, o que acontece, é um jogo.  É um grande jogo, a galera que é da cultura (ex. essa curadoria) tem que jogar com a galera que ta na outra camada da sociedade, só que ao mesmo tempo nós temos que bater de frente com essa galera, porque eles querem impor cultura, só que a gente tá pra falar a verdade… O lance é não cair nessa ladainha. Tá ligado? Tu é artista, tem a sua verdade, bate o pé no chão, olha pra sua história, olha pra quem foi teu pai,  quem foi sua mãe, quem foi teu bisavô, sua avó… Pensar conscientemente mesmo, muita gente tá perdida, as pessoas não olham pra suas histórias, a galera só quer olhar pra frente almejando aquele topo que é uma ilusão.

Mas quando eu falo sobre privilégio eu digo que o Senhor tem uma malevolência, um gingado de chegar e se adentrar nesse meio.

Mano, eu só to jogando o jogo… Senão não sobrevivo.

Gabriel, O Rosa, ator, músico e agitador cultural de Florianópolis, nasceu na comunidade Monte Serrat, no Maciço do Morro da Cruz. Com uma trajetória de mais de oito anos, já integrou a banda Rolê do Zica e atualmente faz parte do Samba da Buía, além de integrar o grupo de teatro Poeira, onde está no elenco do espetáculo Percurso, o último voo de um menino, que no último ano circulou por diversas cidades de Santa Catarina. Como compositor, suas músicas exploram memórias familiares, espiritualidade, a vida na favela e laços de amizade. Em sua carreira solo, lançou o videoclipe Louvada Seja a Dança, em parceria com o produtor Fabio Sung, e segue apresentando seu trabalho no show Força Ancestral, onde traduz suas vivências em música.

Atualmente, Gabriel se dedica a novos projetos, incluindo a produção de um álbum que reunirá composições inéditas em parceria. Paralelamente, planeja o lançamento de Força Ancestral, seu primeiro trabalho autoral, ainda em fase de organização. No Samba da Buía, segue somando sua voz e suas composições, enquanto o grupo se prepara para a gravação de seu próprio álbum. Com múltiplas frentes criativas, Gabriel continua expandindo sua expressão artística, sempre conectado às suas raízes.

Nota do autor
¹O Espaço Cultural a Céu Aberto Antonieta de Barros busca valorizar a arte urbana e a memória da população negra de Florianópolis, resgatando a história de um território marcado por sua presença. Antonieta de Barros, pioneira na política e na educação no Brasil, dedicou sua vida à luta pela emancipação feminina e pela inclusão social por meio do ensino. A escolha de seu nome para este espaço reforça a necessidade de reconhecer e preservar a cultura negra no centro da cidade, onde comunidades negras historicamente resistiram, mas foram sistematicamente afastadas.


INSTAGRAM

@orosa.gabriel

@anascentestrada 

SPOTIFY 

REFERÊNCIA


https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2023/10/06/musico-de-sc-gabriel-o-rosa-lanca-videoclipe-que-celebra-movimento-familia-e-espiritualidade.ghtml

https://ndmais.com.br/cultura/musico-gabriel-o-rosa-lanca-primeiro-videoclipe-de-carreira-solo/

https://www.cmf.sc.gov.br/proposicoes/Projetos-de-Leis-ordinarias/2023/4/0/92957

Foto: Ana Vitória  – @anascentestrada 

Autoria

Saul Smith (Licenciatura em Artes Visuais – UDESC/CEART)

Artista Visual e músico, Graduando em Artes Visuais Licenciatura pela UDESC e integrante do AYA – Laboratório de Estudos Pós-coloniais e Decoloniais sendo bolsista do Programa de Extensão Movimentos Decoloniais: Práticas, Diálogos e o Sentipensar, atuando no Circuito de Exposições poéticas da relação. Utiliza linguagens como gravura, pintura e fotografia em sua pesquisa sobre os territórios de afeto através da rememoração de símbolos da infância.

AYA LABORATÓRIO

Laboratório de Estudos Pós-coloniais e Decoloniais – AYA