Caminhadas por Weuler Azara

Certa vez, mas especificamente em minha banca de defesa de mestrado, Adriana Kaingang, que já havia estado presente em outras bancas ao longo de minha trajetória acadêmica, me questionou: “Quais mudanças as trocas e conversas com essas guerreiras presentes em seu trabalho acadêmico causaram? Quem é esse Weuler agora?” Isso me fez refletir nos caminhos que percorri para chegar onde cheguei.

Lembro do meu primeiro encontro com uma das interlocutoras da minha pesquisa; este encontro aconteceu ainda durante a graduação. À época, tínhamos um projeto de produção audiovisual para uma disciplina. Eu já havia conversado com Kerexu Yxapyry em uma roda de conversa promovida pelo AYA Laboratório, e a ideia de entrevistá-la veio do encantamento que tive ao presenciar sua potência e sabedoria naquele evento. Pegamos o carro emprestado com uma professora e fomos em direção à sua casa, na Terra Indígena Morro dos Cavalos, localizada no município de Palhoça, Santa Catarina.

Chegamos ao encontro de Kerexu e, ao montar o equipamento para a gravação de nossa entrevista, eu, muito inexperiente, tentei “apressar o relógio”, pois tínhamos prazo para voltar, entregar o carro, ir para a aula e enfrentar todas as correrias da vida acadêmica. Foi ao repassar as perguntas da entrevista e já ir direcionando as respostas que Kerexu, com toda a sua paciência, disse: “Se você já tem as respostas, não há necessidade de gravarmos esta entrevista. Se você veio com a intenção de me escutar, podemos continuar.” Desde aquele primeiro encontro, tenho trabalhado internamente para deixar as coisas fluírem com mais tranquilidade.

Outra lembrança foi quando Ingrid Sateré-Mawé me convidou para acompanhar o Acampamento Terra Livre Sul, também no Morro dos Cavalos. Eu havia conhecido Ingrid há pouquíssimo tempo em uma apresentação dela em uma mesa no Departamento de Engenharia Ambiental da UFSC. Cheguei ao acampamento super cedo e tentei falar com Ingrid; sem muito sucesso, fiquei observando os trabalhos daquele ATL serem iniciados. Fiquei inquieto, pois não me sentia muito útil, e decidi buscar um local para me sentar e aguardar a resposta de Ingrid. Pouco tempo se passou e fui avistando rostos conhecidos que prontamente me designaram tarefas na montagem das atividades do ATL. Enquanto eu me envolvia com as organizações, Ingrid chegou e percebi que tudo o que eu precisava, desde o momento em que cheguei naquele local, era aguardar as coisas acontecerem. Eu precisava ter paciência e deixar o tempo corrido do lado de fora.

O cenário da ansiedade se repetiu outras tantas vezes. Ao acompanhar a Terceira Marcha das Mulheres Indígenas, tive que lidar com a sensação de querer absorver tudo o que me rodeava, mas era muita coisa. A marcha é um ecossistema complexo, múltiplo, vivo, pulsante e em constante movimento. É humanamente impossível vivenciá-la em sua totalidade, pois acontecem dezenas de coisas ao mesmo tempo, em diferentes localidades. Na ocasião, optei por escolher um só local, me sentar, absorver tudo o que ali estava acontecendo, e foi a decisão mais sábia daquela viagem. Ao ficar ali, ouvi narrativas incríveis, conheci pessoas maravilhosas e pude sentir a potência daquele movimento.

Lançamento do curta documentário Aldear a política março de 2025

Esperar as coisas acontecerem sem ficar ansioso não é uma tarefa fácil, e não digo que domino completamente essa arte. Por muitas vezes, ao lidar com a pressão de ter prazos, tarefas, agenda, avaliações e atividades, eu me esqueço completamente de parar, respirar e organizar os pensamentos e as demandas. Mesmo lembrando daquela primeira experiência com Kerexu, sinto que preciso sempre fazer o exercício de parar, sentar e ouvir.

É curioso como, nesses momentos, a ansiedade pode se tornar um reflexo do nosso desejo de controle sobre o que está por vir. Ao lembrar daquela primeira experiência com Kerexu, percebo que nesses encontros , é essencial fazer uma pausa. Sinto que preciso sempre fazer esse exercício de parar, sentar e ouvir, não somente as vozes ao meu redor, mas todas as movimentações, cheiros, cores, sons e sentimentos. 

O que eu posso dizer com toda certeza é que, o que mudou neste Weuler de agora, após tantos encontros, conversas, trocas e inquietações, é que nada disso seria possível se eu não tivesse sido acolhido por cada uma das pessoas incríveis com quem conversei ao longo de minha jornada acadêmica. Voltando ao início de tudo, a conversa com Kerexu e o olhar atencioso de Ingrid e Adriana me fazem refletir que é necessário, ao menos, tentar caminhar em vez de correr.

AYA LABORATÓRIO

Laboratório de Estudos Pós-coloniais e Decoloniais – AYA