Gugie reencontra Antonieta

“Pra mim esse mural da antonieta tem uma vivência de aliados antirracistas…

Dessa vez, não é texto de música, embora o samba da Gugie exista, e às vezes até um gugienight perdido por aí.

Agora a história é mais doida. Gugie me convidou para fazer sua assistência no mural da Antonieta de Barros. Sim, papai! Esse convite me encheu de alegria, emoção e muita ansiedade. Na real, só entrei nessa porque minha companheira Isadora não pôde acompanhá-la como de costume, e, na correria da agenda apertada da artista, me sobrou essa oportunidade única de estar aprendendo alguma coisa com a melhor…

Aproveitei o momento para também trazer um pouco do que foi esse processo de criação e de reencontro da artista com Antonieta de Barros.

Quando vejo a responsabilidade de retratar uma mulher de tamanha potência — Antonieta de Barros, que rompeu com barreiras de classe, raça e gênero em um estado ainda hoje excludente — nas mãos de Gugie, percebo que há um atravessamento afetuoso entre essas mulheres. É como se essa força de Antonieta ecoasse nos gestos da Gugie, que também deixa marcada, com tinta, sua presença no mundo, dando seguimento a esse sentimento.

Esse é o retorno de uma Antonieta que já fazia parte da rotina das pessoas que transitam pelo centro de Florianópolis. Nesses dias, conversamos bastante sobre o uso das cores em Antonieta, já que a referência é uma imagem em preto e branco. Existia um certo receio da artista de acharem que ela estava clareando, de alguma forma, a pele de Antonieta — pressão já sofrida na primeira vez.

Foi muito bom participar do processo: estar nas alturas com essas mulheres, as misturas de cores, os segredos com o spray, as trocas de mensagens com a professora Jeruse Romão para iluminar mais o processo, e o carinho com que só Gugie tem. O que mais seria desafiador para ela nessa ilustre missão?

— Gugie, posso gravar aqui uma conversa nossa pra minha pesquisa no Aya?

— Agora?

— Sim, só trocar uma ideia, não é nada demais.

— Bora. Inclusive tem um vídeo do Aya que tá pra sair que nem sei em que pé tá. Gravaram uma entrevista quando eu vim pro Ebó… Mas vamos lá, me conta tudo, rs.

— Eu queria saber de você como é estar refazendo esse mural, reencontrar Antonieta…

— Eu tava pensando sobre isso. No grafite, a gente que vem pintar, trabalhar com pintura, mural em grande escala — e dentro da cultura do grafite — entendemos que é efêmero. Trabalhamos com a ideia do efêmero. A gente tira foto e deu. Fez e tá ali; a convivência com a imagem vai se dando com o tempo, e a gente vai lidando com o tempo também. Então, eu fico observando que é um mural que está sendo refeito pela importância que as pessoas dão pra ele.

— E como foi pra você lidar com o apagamento da primeira imagem, que foi a sua primeira empena?

— Eu, quando soube do apagamento, fiquei triste, lógico. Mas é algo normal na cultura da rua, eu já estou habituada a ver os murais indo embora. Mas o impacto sobre as pessoas foi muito grande. O impacto de fazer foi grande, de muita gente falar que se sentia revigorada, se sentia presente, validada na cidade… Acho que isso que é o mais bonito: as pessoas que lutaram por esse mural.

— Quando foi feito o primeiro mural?

— O primeiro (mural da Antonieta) foi meu primeiro prédio, em 2019. Ali eu aprendi muita coisa. Foi muito novo, mas eu já pintei outros. Agora é outra vivência, outra ideia.

— Eu já venho de uma conversa com outros artistas da música sobre quem está à frente nessas produções artísticas na cidade. Como isso acontece quando a gente fala dessas empenas no centro de Florianópolis?

— Pra mim, esse mural da Antonieta tem uma vivência de aliados antirracistas, porque,querendo ou não, a galera que tá ali na ponta, podendo entrar nas salas e debater sobre isso e lutar pelo mural, são pessoas brancas. Pra mim, é uma experiência positiva. Porque tem esses domínios ainda… Ainda tudo é território. Ainda se trata de território.São famílias e famílias que se conhecem, aí entra nessa questão. Eu acho que é o mínimo nos colocar pra estar fazendo pelo menos as questões de representatividade e construindo história também.

No momento, morando no Rio de Janeiro, a artista começa a entender o contexto das relações nesse novo ambiente. Tem pensado na produção de texto sobre o processo criativo no desenvolvimento que leva ao crescimento de coisas e pessoas — desse jeito mesmo, bem afetivo —, fazendo um paralelo com a maternidade e suas obras antigas. Tudo com bastante exercício de pintura, tentando pintar todos os dias. Ela também articula com ONGs projetos para fazerem mulheres pintarem. E eu, aqui, fico esperando outros encontros que geram atravessamentos históricos como esse. A inauguração do mural ficou para o dia 9 de maio, às 17h. Exatos oito dias dos primeiros riscos de spray, com direito a roda de samba na esquina da Tenente Silveira com a Deodoro.

Referências: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2025/05/07/murais-franklin-cascaes-antonieta-barros-recriados-florianopolis.ghtml

www.gugiecavalcanti.com

Foto de Beatriz Maciesk

Saul Smith (Licenciatura em Artes Visuais – UDESC/CEART)

Artista Visual e músico, Graduando em Artes Visuais Licenciatura pela UDESC e integrante do AYA – Laboratório de Estudos Pós-coloniais e Decoloniais sendo bolsista do Programa de Extensão Movimentos Decoloniais: Práticas, Diálogos e o Sentipensar, atuando no Circuito de Exposições poéticas da relação. Utiliza linguagens como gravura, pintura e fotografia em sua pesquisa sobre os territórios de afeto através da ressignificação da simbologia Adinkra.

AYA LABORATÓRIO

Laboratório de Estudos Pós-coloniais e Decoloniais – AYA