François Muleka Por Saul Smith

François Muleka é aquele artista único em sua musicalidade. Com mais de vinte anos de carreira, o músico de origem congolesa já lançou 5 álbuns autorais, além de já ter trabalhado no palco ou em estúdio com artistas como Luedji Luna, Filó Machado, Teatro Mágico, Chico César e Marisol Mwaba.
Já tive a oportunidade de esbarrar com o Fran em várias ocasiões, no palco ou só para resenha. Eu admiro imensamente sua forma de viver e como se expressa com a arte, tanto em seus trabalhos de arte visual como em suas composições. Ele já estava na minha lista de artistas que precisava citar por aqui, só não imaginava que ia acontecer tão rápido.

Há duas semanas encontrei François aqui pelo campus, numa manhã quando eu estava chegando na UDESC rumo ao AYA, ali já vi a oportunidade de convidá-lo para essa entrevista, que acabou sendo uma conversa bem gostosa e descontraída na mesinha de pedra da cantina do CEART.


Conversamos sobre a dificuldade do sustento, a manutenção dos recursos financeiros enquanto artistas autorais e pretos. Tomamos um café e fiquei ouvindo aqueles pensamentos e experiências cotidianas que muito se parecem com os meus. François segue:

“Que mágica que a pessoa faz pra conseguir morar em Florianópolis, estudar na faculdade e tocar música? Que mágica você faz pra viver na ilha da magia?
…Você começa a entender que tem muito cosplay de pobre, que você divide seu lanche, seu refrigerante, paga cerveja para pessoas que são herdeiras de muita coisa.
…Vejo que quem não é herdeiro da aula. Eles dão aula. Vou tentar dar aula.
Mas pow, aula de violão, sacanagem.
Pessoas me falam bem do meu trabalho por que entre outras coisas dizem que é autêntico o jeito que eu toco violão. aí vou lá doutrinar alguém que toque Dó, Ré de um jeito tal?
Seria estranho pra mim.
Aí já sei, composição, composição é legal, aí eu posso trabalhar explicando pras pessoas como eu componho e elas vão aprender e aplicar aquilo para realidade delas, senão aquilo, variações daquilo…
…O que eu não faria é tirar um raio x das músicas e dizer pras pessoas: repitam isso aqui. Mas eu tinha que fazer um raio x do meu processo já que eu ia ensinar as pessoas pelo processo.”

Isso diz bastante sobre o grande potencial que é o processo de criação individual do artista. Quando François faz um raio x desse processo e o submete a uma análise que parece até uma terapia para se entender, ele traz como produto uma ferramenta de combate, de resistência, quando a causa maior é sobreviver.

Dentro dessa assimilação sistemática que envolve viver em Florianópolis (isso torna tudo bem sistemático), começa a se construir para o artista esse campo de trabalho que agrega novos elementos de captação financeira que vai além do que o imaginário popular pensa do artista na música, aulas de composição, palestras, parcerias com diversos artistas locais e nacionais.

“…A primeira coisa foi entender que eu tinha que fazer uma análise do que era o meu processo e a partir daí eu criei várias músicas, a partir de descobrindo qual era o meu processo, mas nunca gravei. Porque eu não tinha um performer que condizia com aquele experimentalista que surgia ali. Aí o tempo passou e hoje em dia eu consigo me entender como um artista múltiplo e como um passarinho, o passarinho vai lá e pega, come uma sementinha ali, ele precisa cagar essa sementinha em outro lugar, aí ele pega um pedacinho de grama, ele leva dali para lá, tem as pulguinhas dele, tem os restos dele depois que ele morrer em outro lugar. Ele não fica só cantando lá pi pi pi…”

Para os próximos lançamentos, François comenta sobre o projeto “Meu corpo minhas réguas”, que seria um aglomerado poético de várias mídias: filmes, curtas e também um álbum sem nome definido.

“É isso que tá pra lançar, é esse grande grupo de indagações por todos os lados, até pra ocupar os lugares. Eu vejo muitas pessoas que estão fazendo entregas até bem mesquinhas e estão passando muito bem fazendo isso e eu quero o meu pedaço do bolo, Se eu tenho que mostrar volume de jogo, eu vou fazer.”

Autor

Saul Smith (Bacharelado em Artes Visuais – UDESC/CEART)

Artista Visual e músico, Graduando em Artes Visuais Licenciatura pela UDESC e integrante do AYA – Laboratório de Estudos Pós-coloniais e Decoloniais sendo bolsista do Programa de Extensão Movimentos Decoloniais: Práticas, Diálogos e o Sentipensar, atuando no Circuito de Exposições poéticas da relação. Utiliza linguagens como gravura, pintura e fotografia em sua pesquisa sobre os territórios de afeto através da rememoração de símbolos da infância.

REFERÊNCIAS

@francoismuleka – Instragram

https://acontecendoaqui.com.br/colunas/coluna-entretenimento-entrevista-francois-muleka

Release do artista

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Laboratório de Estudos Pós-coloniais e Decoloniais – AYA